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“O que faltou?”

Eu estava na escadaria de casa. A tarde caía devagar, o silêncio era só interrompido pelo som das rodinhas de uma bicicleta riscando a rua de cimento. Um menino vinha e voltava, sorria, falava alto, parecia carregar o mundo na voz.

Ele parou. Conversador, me lançou uma pergunta qualquer — dessas sem importância que só a infância se permite fazer. E, então, meu filho apareceu.

Do alto dos seus poucos anos, do silêncio do seu próprio mundo, ele ficou ali, imóvel, observando. O menino da bicicleta olhou de relance… e nada. Não o viu. Porque ver de verdade exige mais do que olhos.

Meu filho é autista, grau 3. Não fala, não reage como se espera, não entra no jogo social. Mas está ali. Inteiro. Vivo.

Eu tentei explicar:
— Ele é autista…

O menino me interrompeu:
— Na minha sala também tem um. Ah, como eu odeio ele. Ele atrapalha tudo. É um bobão. Tenho raiva. Não suporto.

Sem perceber o peso das palavras, pegou sua bicicleta e sumiu na esquina, como se nada tivesse acontecido. E talvez, pra ele, realmente não tenha.

Fiquei parado. Como quem levou um soco que veio de um corpo pequeno, mas acertou direto na alma.

Criança não mente. Criança revela o que está sendo plantado em silêncio. E ali, naquela sinceridade brutal, eu ouvi o eco do que o mundo tem gritado baixo, todos os dias.

O que faltou?

Faltou alguém que dissesse pra ele o que é empatia.
Faltou alguém que ensinasse que o diferente não é defeituoso.
Faltou alguém que mostrasse que respeitar é mais do que tolerar.
Faltou alguém que amasse… não só os que falam, correm, brincam. Mas também os que apenas são.

E eu não sei responder.
Não sei quando se perdeu o fio da compaixão.

Mas te pergunto…
Você sabe?
O que faltou pra ele… não faltar em nós?

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